quinta-feira, 28 de junho de 2012

Simone Plaisir

Simone é filha de Plaisir. Plaisir pronuncia-se como prazer em francês. É uma pequena cidade situada numa sensação que eu tenho. Essa sensação, que bem poderia ser o país onde fica Plaisir, descobre-se através do prazer que eu retiro do trabalho de Steve Mcghee. Steve Mcghee é um tipo canadiano que escolhe alguns dos melhores “spots” do mundo para os transformar em propostas apocalípticas. Numa das propostas de Mcghee aparece o Porto representado. O Porto como uma das cidades berço do fim dos dias. Eleita pelo artista como uma das capitais mundiais da ruína, o Porto de Mcghee ressurge com toda a beleza premonitória da Ribeira em chamas, helicópteros a sobrevoarem sem qualquer gentileza os céus cheios de cinzas, vários embarcações à deriva, entre os quais um cruzeiro inesquecível, são lançados para o abismo que o Douro deixou revelado numa falha geológica, ansiosa e sincera, precisamente no lugar da antiga ponte D. Luís. Na imensa e misericordiosa tentação de Mcghee, a possibilidade de um sismo faria com que o Douro se esvaisse e os incêndios tomassem conta do resto. Mas a catástrofe criada pelo artista não é, por si só, um factor decisivo para que esta sensação, este país que eu digo sentir e onde eu digo sentir Plaisir, exista. A mais fulgurante sensação de Plaisir vem-me sobretudo pela incontestável evolução dos acontecimentos. Mcghee apresenta apenas um momento da catástrofe. Os outros somos nós que, voluntária ou involuntariamente, o concebemos. Numa situação de cegueira vivencial, quando olhamos um lugar que reconhecemos apenas porque alguma vez o vimos, podemos pouco contra a imagem da derrocada, porque ela arrasta consigo o antes e o depois. Mas quando vemos a nossa própria cidade sucumbir, automaticamente imaginamos mais porque somos capazes de nos imaginar também atingidos por essa extrema nitidez. É aí que se situa esse país que eu digo sentir e onde eu digo sentir Plaisir, a sua maior cidade mais bela. E é aí onde eu vou encontrar Simone, deliciosamente preocupada com as unhas e a depilação das pernas, enquanto o Porto sofre a amnésia das partículas e tudo o resto regressa ao intervalo entre menos infinito e zero.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Esperanza

A cidade chama-se Esperanza e as ruas de Esperanza estão cheias de mapas urbanos, que, por sua vez, estão repletos de círculos desenhados a marcador vermelho com a inscrição: Usted no está aquí. A provocação não faz parte do espírito de Esperanza, por isso o viajante incauto pode esquecer qualquer campanha de marketing e publicidade e concentrar-se apenas na sua bela desorientação, tentando ressuscitar a lógica e, sobretudo, nunca perder o ânimo. Assim, ao deparar-se com um dos milhares de mapas urbanos no coração de Esperanza, o viajante tem ao menos uma certeza: pode estar em qualquer lado da cidade, menos ali. A confusão agrava-se quando de 10 em 10 metros e em qualquer direcção que ouse tomar um novo mapa urbano lhe aparece pela frente com a mesma inscrição, precisamente sobre o mesmo lugar (rua, praça, avenida, encruzilhada) onde estava a anterior. Mas um raciocínio precipitado pode originar deduções fatais. Se todos os mapas representam sempre um único lugar da cidade no qual o viajante definitivamente não está, então é possível que nenhum mapa cumpra verdadeiramente a sua função e que aquela parte da cidade contemplada nem sequer tenha realidade material. Nada mais errado. Esperanza é uma cidade atípica, projectada a partir de um só extracto da realidade que se repete infinitamente pelo espaço. A Calle de la Confianza, a Avenida de los Expectantes e a Plaza de la Posteridad estão unidas entre si e, consecutivamente, às suas réplicas, que se estendem, como aranhas magistrais, até Anhelo de la Sierra, Santa Ansiedad e Ciudad Revelada, já nos arredores de Esperanza. Chegando até aqui, torna-se cómodo aceitar que o problema de Esperanza é muito menos obscuro e borgiano do que à primeira vista podia parecer, resultando menos de um enigma de características cósmicas e dissimuladas e mais da incompetência gritante dos seus serviços municipais: como em cada mapa urbano aparece apenas o detalhe do local e não uma perspectiva alargada da cidade, nenhum dos locais assinalados em qualquer um dos mapas pode afirmar que representa aquele exacto extracto da realidade. Daí a pertinência da inscrição: Usted no está aqui. Seguido do magnífico slogan da cidade: Siempre hay que tener Esperanza.