domingo, 6 de março de 2011

A estranha máquina de Romant





Cidade de Salvetski, 2275. O analista de configurações puras, Peter Von Romant, acaba de inventar um curioso engenho capaz de “extrair do mundo instantes exemplares”. Apesar da sua invisibilidade aparente, a invenção de Romant ocupa a área total do conhecimento humano da época e não foi pensada para ser reproduzida pelas técnicas gerais de representação. “A sua fisionomia – explica Romant – escapa-nos, porque nos escapam os instantes que decorrem até que o nosso cérebro forme uma imagem convincente e estável da máquina. E uma vez que os principais componentes da minha invenção são o pensamento fugaz e o lapso, torna-se inadmissível projectá-la a olho nu, senti-la ou tocá-la senão através do tacto delirante.”
“A máquina – continua Romant – é, ela própria, um instante exemplar. Ela não permanece exequível no espaço humano, porque protege uma falácia sensorial.” Se abandonarmos a retórica Romantiana e nos concentrarmos no essencial, verificamos que, de facto, a sua explicação não carece de mais dados para se afigurar deslumbrante. Mas, ao fazê-lo, ao dar-nos por decidido o trabalho da máquina em função da sua autonomia estética e vital, caímos invariavelmente num paradoxo: se a máquina de Romant é extra-temporal, quem a criou não foi Romant, que continua tão palpável e tão dentro do seu corpo incómodo e real, como qualquer um de nós, que agora se agita cada vez mais furiosamente para extrair da máquina de “extrair do mundo instantes exemplares” uma vitoriosa e definitiva concepção.

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