sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Wienlaand, o ácrata



Wienlaand entra em casa. Acende a luz e diminui a escala do mundo para ter a sensação de o alcançar. Descalça-se para sentir melhor a pertença e a pele da pertença que, ainda assim, é pertença em negação. A pertença transmite-se pelo contacto contínuo e nu dos seus pés com o chão, tocar a Terra em directo, diz ele, ainda que viva num 13º andar, como os homens tocaram a Lua, em directo, ainda que através dos fatos de astronauta e às custas da gravidade extenuada, talvez tenha sido, e precisamente por isso, um toque mais educado, um toque com aquele tipo de educação que a sensualidade, que é interesse ornamental, sabe transportar.
Wienlaand já não é novo. Cresceu-lhe um pesado lombo de peixe da cintura para baixo e arrastar as barbatanas pelo chão já não o comove tanto como quando pesava 70 kg e era ele quem desenhava a sua fala e os seus actos, e não um guionista qualquer ou um inútil engenheiro da vida dita vulgar. Além disso, a ligeireza dos dias ofende o fantasma permanente do seu tacto. Era uma vez a motricidade fina e a subtileza sussurrada. Era uma vez a capacidade para se reter todo dentro de si e esperar ansiosamente pelo fim-de-semana para se livrar do Dr. Jackyll e revelar o Mr. Hyde. Agora, pelo contrário, é Mr. Jackyll e Dr. Hyde, e todos os dias da semana. Um cocktail de nações rivais servidas como aperitivo para o descalabro.
Wienlaand, ainda assim, despe a gabardina, cospe o gabarito e o garbo, para se certificar que a nudez, pelo menos aquela nudez, o aplaude na perfeição. Tresanda a whisky e horas desperdiçadas para ganhar dinheiro que lhe permita desperdiçar outras tantas. Os músculos estão frustrados e o corpo todo exige-lhe o centro da Terra, máxima gravidade que contraria com um repentino salto do invólucro para a vida verdadeira e inactual: Wienlaand atravessa cambaleante o corredor como um atleta de movimentos desirmanados e dirige-se ao quarto, à varanda do seu 13º andar. Quer rescindir completamente o contrato que o mantém vivo todos os dias naquelas horas anteriores à sua aparição extraordinária. Quer lavar todas as suas antinomias com a água gelada do impacto com o chão, o outro chão. Quer matar-se pela metade. Atirar metade do seu corpo pela varanda, apagar o seu falso realce, as marcas da empresa onde trabalha, o comité dos simulacros internacionais. Wienlaand quer sobretudo ser esbofeteado pela não coerção.

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