sábado, 30 de outubro de 2010

Máquinas malogradíssimas



Uma máquina de fazer sumo da Terra e não haver sumo na Terra, senão suor proveniente da máquina e do seu esforço incómodo, humilhante e repetido para o conseguir.
Uma máquina de barbear mentiras, mas sem lâminas capazes de cortar rente os pêlos encravados das mentiras. A face mentirosa cheia de pistas de sangue e pequenas insurreições, mas a barba intacta, como se as mentiras fossem parasitas de ferro e amassem os pêlos em toda a sua extensão e península.
Uma máquina de costurar segredos. Segredos desfeitos. Impossíveis de coser. Nem com a linha mais inventiva. A paciência mais pálida e solene. A precisão de deus quando opera a sua autonomia relativa. E os segredos degradados, como doentes parkinsónicos, perdidos de riso, fazendo tremer o repouso onde a inutilidade de tudo exerce a sua vocação vazia.
Uma máquina de fazer máquinas de fazer cócegas a tudo isto.

5 comentários:

  1. Uma poética de um inexistente possível!
    Amei...

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  2. André:
    Gostava de lhe dizer que os seus poemas conseguem transportar o leitor para outras galáxias, tal é a força expressiva das suas palavras e das suas metáforas.Fica-se sempre suspenso na surpresa de cada frase e de cada verso.E, embora fragmente o poema, detendo-se na minúcia de cada pormenor,num estilo bem burilado, nunca perde de vista o fio condutor da sua unidade temática nem da sua respectiva coerência.Na sua poesia, as palavras ganham a força e a nobreza, que não possuem, quando lidas isoladamente na linguagem comum.
    Os meus sinceros parabéns.
    Alexandre de Castro

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  3. Muito obrigado, Alexandre, pela visita e pelas suas palavras. Como chegou até aqui?

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  4. Por mero acaso, caro André. Tropecei algures no título do seu blogue, abri, e fiquei deslumbrado (é esta a palavra certa)com o primeiro poema que li. E, como sabe, mesmo até através da leitura dos comentários das suas admiradoras e dos seus admiradores, ninguém pode ficar indiferente à sua poesia.
    Desejo-lhe felicidades no ponto de vista pessoal e no ponto de vista literário.
    Alexandre de Castro

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  5. Maravilhoso poema. Corresponde ao que sinto sobre o que acontece no dia a dia, nas pessoas que temos que aturar, na hipocrisia que não pára, nos jogos duplos que fazem para ultrapassar tudo e todos,sem olhar a meios. Gostaria que inventassem uma máquina que limpasse o lixo da cabeça das pessoas pois o mundo seria bem melhor. "A insustentável leveza do ser" é a frase que me surge se inventassem a máquina milagrosa.

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