sábado, 9 de julho de 2011

Carlos Klenner



A Singapura fica muito longe para quem não tem asas e passa o resto da sua vida numa história situada num único país, provavelmente inventado à pressa, por meras questões de timing editorial e enfoque estratégico. Ou então: a personagem secundária de um livro queixa-se do determinismo da diegese e bate às portas do capítulo errado, o único em que está viva e enterrada para sempre.
O autor, entretanto, dorme sobre a proposta de outros livros, novos temas. Ressona como quem faz poemas ou amor consigo mesmo em apneia. Não acredita que aquela personagem volte a aparecer.
No entanto, por motivos que excedem a razão e excitam a controvérsia, um dia a personagem secundária desse livro resolve arrombar uma das portas do capítulo onde está oportunamente encerrada na mesma fala há séculos.
A sua terna descrição é sumária e a sua intervenção, relapsa na dureza do romance, não tem pretensões vitalícias, nem instintos programáticos excelentes. Mesmo assim, é provável que Carlos Klenner encontre uma mulher. A mulher que ama loucamente Felipe Espiritu Santo de Saavedra. Mas é possível também que durante o tempo em que Margarita Von Haff sacia o quotidiano, vai à rua, por exemplo, tomar café, pagar as contas, comprar leite, carne e alface, à farmácia, ao notário, ao parque municipal, ao ginásio, às aulas de equitação do comportamento, é possível que Carlos Klenner lhe apareça à frente, mais do que uma vez até, e consiga desviar o eixo gravitacional do romance e com ela prepare uma morte formidável para Felipe Espíritu Santo de Saavedra e abalroe novos capítulos e novos encadeamentos e já nada do que então era seja o mesmo, nem mesmo Klenner, Margarita, ou o novo romance que o autor adormecido mantém temporiamente com Nastenka.

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