sábado, 8 de outubro de 2011

Albert Albrecht



Hoje, Albert Albrecht não sente o mesmo domicílio, a mesma certeza. Quer dizer, não é bem Albert Albrecht. É um vizinho de si mesmo. Por isso, não sei se podemos realmente falar de Albert Albrecht ou de alguém que encarna Albert Albrecht neste dia, alguém que sintonizou Albert Albrecht, como quem sintoniza um humor repentino, deita-se na banheira às escuras e espera que o resto traga na espuma a manhã do pensamento hardcore.
Pondo as coisas noutra perspectiva: ainda que consciente de tudo isto, Albert Albrecht não sabe como nem quando sofreu essa deslocação, esse incentivo de si para si. Com a noção temporal asfixiada e desiludida, Albrecht decide eternizar esse dia – o dia em que já é não bem Albert, mas um vizinho de si – e começa a vender o segundo ao preço do século com a naturalidade de um velho domador de circo.
Hoje, Albert Albrecht agarrou-se de tal forma à sua própria conveniência que quase lhe ia partindo os limites. Tomou as cápsulas de lirismo bem cedo, felicitou o seu corpo fervoroso com tenacidade e usura repentinas e releu o irrepreensível salmo que o tornou possível, apesar da chegada ausência de si mesmo. Depois, Albrecht fez-se à rua, já com os paramentos do sucesso e o milagre implícito da sua nova auto-estima.
Nessa mesma noite, na noite desse dia infinito, Albert Albrecht conhece Narcisa. De bar em bar, tornam-se mais e mais propícios para arrombar a casa da tentação que os vitima e mobilar de pássaros os nexos da destreza. Deram inutilmente e várias vezes as mãos. Engoliram cerca de 35 cl de saliva. Entornaram vinho com competência e alegria, nunca paz.
Nesse dia, alguns anos passaram. Albert Albrecht estava de facto livre do acontecimento vazio que era ele próprio antes de o ser, mas só até se dar conta de que tinha perdido a sua outra imagem nas equânimes águas de uma nova deslocação. Agora, Albert Albrecht Stimmel era já parte de um incentivo de si para um outro fora de si mesmo, e, pela primeira vez, esqueceu-se do seu verdadeiro acontecimento.
Narcisa fê-lo muito infeliz e para sempre, e o único filho que o casal teve padecia (e padece ainda) de nunca existir.

1 comentário:

  1. Eu sou deslocada de mim mesma a maioria dos meus dias. E como se a nossa a nossa bússola interior falhasse constantemente o nosso exacto norte magnético - onde somos tão mais perfeitos que a nossa realidade. Adorei

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