domingo, 16 de outubro de 2011

Carlos Duende Palacios



Carlos Duende Palacios tinha uma certa relutância em acreditar que existia. Por vezes, chegava mesmo a desacreditar nos seus pés, ou nas suas mãos, ou nas frases que acabava de ouvir de si, como uma evidência sagrada e assassina, e a negar o eco do passado e as medidas de uma identidade já de si desidratada e faminta numa fracção de tempo imperceptível e durante toda a tarde incrédula.
A forte e cada vez mais perversa colonização do corpo por esse sopro de ausência atribuída levou-o à desacreditação total dos mecanismos de representação da existência e depois, como não podia deixar de ser, à tão esperada certeza de ter deixado de vez a estação do sentido, dirigindo-se desordenadamente para nenhum sítio, atravessando como um bêbado solene as persistentes fronteiras do adeus.
Palacios viveu morto nessa certeza até morrer efectivamente, segundo os cânones da época e o pacto entre a realidade e a resolução magistral do incorrigível. Mas porque ninguém acreditava que Palacios pudesse estar de facto morto (mesmo quando Palacios existia), nunca ninguém deixou Palacios morrer de facto e existir na falácia daqueles que sabiam que, de facto, Palacios tinha morrido.

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