quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O homem grávido



Irene e Pedro Perez esperam um telefonema: ela, o da médica com o resultado dos exames que fez; ele, o do editor com a resposta relativa à proposta de publicação do seu último livro. É domingo, são seis da tarde, lá fora chove, na televisão um casal beija-se, como se beijava na América nos anos 1940-50, com tenacidade oblíqua.
O telefone toca. Ouve-se o barulho das supra-renais a cuspirem adrenalina e noradrenalina. Irene levanta-se primeiro e corre para atender. Durante os 2 ou 3 segundos que a separam de atender a chamada, Pedro levantou-se também, mas permaneceu no mesmo sítio. Os golpes da água contra o vidro impediram-no de ouvir na perfeição o júbilo de Irene. Mas, para quê os pormenores?, pensava ele, se já sentia as sirenes diabólicas da alegria a soarem pela casa numa espécie de missa negra, a respiração ofegante da mulher, frases entrecortadas pela informalidade descosida e depois o silêncio abissal que se interpôs entre o fim da chamada e aquele vento que sopra de dentro para fora da pele.
A chamada durou precisamente 2 minutos e 27 segundos. Irene regressou à sala e lançou-se para os braços de Pedro. Os braços moles como tentáculos filiais ao pescoço dele, o rosto dela era um satélite natural de ternura e gelatina que sorria. Depois, pôs-se aos pulos e aos gritos e precipitou-se novamente para o telefone para contar a notícia aos pais.
Os pais espumaram de contentamento quando souberam que Melisa já fazia parte dos vivos e mais do que tudo: que era uma menina Perez. Nessa mesma noite, Irene e Pedro entraram pela sala de jantar da casa dos pais dela (era Inverno em Madrid, e em toda a parte, parece-me) e antes que se sentassem à mesa, antes mesmo de despirem os casacos e o frio, ela gritou a notícia: VAMOS TER UM FILHO. Ouviu-se a explosão do champanhe como nas melhores comemorações rituais. Depois, Irene, como mãe e filha única que era, foi levada em braços para uma venerável dimensão do delírio, onde ficou prisioneira de derrames de lágrimas, beijos e abraços como sanguessugas que deixassem as suas ventosas no afã da descoberta. E Pedro, num canto da sala, a fingir que enviava uma mensagem para ninguém, teve mais uma vez de suportar o êxito miserável dos sogros, dos velhos, como costumava dizer, a sua honestidade emocionada e centrípeta, a sua triste alegria de domingo na cidade sem lei.
Dois dias mais tarde, Pedro recebe finalmente um telefonema da editora. Recusaram o seu original por supostamente apresentar malformações congénitas, e, entre rodeios e falsos incentivos, aconselharam-no a tentar o silêncio.

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