sábado, 24 de dezembro de 2011

A arca (supostamente) de Noé



O mundo está a mudar, e muito depressa. Na ausência de eficácia e convergência dos protestos provenientes da espécie dita esclarecida, os animais têm vindo a utilizar aquilo que têm mais à mão (passo o óbvio animismo), para sacudirem a ordem do dia e o establishment do último reduto de um antropocentrismo que ainda chora de noite quando acorda, está tudo escuro e não vê nem a mãe nem o pai por perto.
Alguns historiadores, zoólogos e defensores de um Novo Criacionismo de pendor New Wave acreditam que os animais se reuniram muitas vezes em surdina enquanto o homem vigiava a sua frincha da inocência, tomada tantas vezes pela síndrome da insolência adquirida.
Muitos acreditam ainda que os animais estabeleceram planos que combateram a estratégia paraplégica de uma espécie que reinava com a convicção de que era sublime (e apenas sublime!), e de que, por isso (ou nem por isso), lhe era conveniente existir acima e ligeiramente abaixo de todos os séculos, expectativas e erros, conforme a disposição daquele dia.
O que é certo é que, pouco tempo depois, os animais assinaram um ultimato que confirmava estar para breve o fim dos tempos e de um certo tipo de sabedoria. Colocaram entre aspas “sabedoria” e “certo tipo”, mas não "breve" nem “o fim dos tempos”. Propuseram novos slogans, verdades, diálogos, mentiras e escatologias. Deseducaram-se progressivamente como uma pétala que foge à flor, por uma questão de milímetros. E tornaram-se reis, depois de violarem a única mulher a bordo da arca e assarem na brasa a infinita bondade de Noé, que, dizia-se, tinha um lombo perfeito, e teria sido melhor ainda se o molho ficasse a repousar de véspera e as batatas reluzissem.

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