domingo, 4 de julho de 2010

Dia mundial da possessão




Passei a maior parte da tarde
aos comandos da minha nova nave natal
quase sem combustível, o corpo faz promessas
e manobras arriscadas
começa o reino dos tristes agitados
na península pobre dos esgares
a tradição anedótica da tua face
na tua face postergada
face à possessão.
Começa também todo um período inesquecível
de zimbórios e derrames
e a noite toda orienta a tese histérica
e ocidental de que a vida só existe
do pescoço para baixo, nada mais,
mas o dom de falar várias línguas refutadas
prova-nos o contrário
e faz a face mais falsa falar.
É precisamente do pescoço para cima
que as imagens evocam mais a sua irresolução
os sete círculos do inferno elevados ao quadrado
e um grito nasce sempre de olhos bem fechados
como na matemática a raiz quadrada de dois
é um número irracional
e nessa mesma redução ao absurdo
o meu habitáculo contrai-se
por isso visto o meu melhor fato
para a desintegração
e também por isso não ignoro
as praias da inércia
as máscaras do realce
e a massa atómica relativa
do cansaço, que virá, juro que virá,
assim como os privilégios de quem morre
na república microscópica do engano

por engano
e arte de bem enganar.

1 comentário:

  1. Oxímoro perfeiro:
    "por isso visto o meu melhor fato
    para a desintegração"

    Che dire? Più un'opera d'arte!

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