quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Trastornos de la percepción



Guillermo Guel (Barcelona, 1967) sofre de um transtorno raro da percepção: a “Síndrome del espejo disímil”, sendo a “Síndrome do reflexo díspar” a tradução oficial em português. Tudo o que Guillermo Guel capta com os seus sentidos reflecte o real, mas através de uma breve deslocação, seguindo-se como que um pequeno sismo ou clímax, e, consequentemente, uma apropriação parcial e delirante, mais ou menos aleatória e sinistra, do objecto, ou dos objectos sentidos. Por exemplo: uma maçã. Guel reconhece facilmente a maçã como maçã (manzana em espanhol), mas chama-lhe masanez. A língua é das primeiras coisas a ser comovida. Uma dislexia astuta e expedita cala-lhe a manzana convencional e alarma-lhe a intrépida masanez; uma masanez pronunciada como um espanhol comum a pronunciaria, se tivesse mesmo de pronunciar masanez.
E depois é o sabor da maçã. Guel geometriza todos os sabores e dá-lhes ângulos e coordenadas, nem sempre legíveis num plano ou num gráfico simples. Também para ele uma maçã não tem bem o sabor de uma maçã: uma confortável percentagem do sabor real da maçã é inventada por Guel. E as linhas com que se fazem uma maçã foram expostas a uma manobra terrível: ao longe são as linhas de uma maçã; ao perto são abstracções convulsivas. Parecem as mesmas linhas da flor que a criança caótica de Almada Negreiros representou com espanto e talento, quando lhe pediram que desenhasse uma flor. Lembram-se? A criança caótica de Negreiros foi inspirar-se primeiro ao caos e ao cosmos (onde, que se saiba, não há flores) para responder ao pedido.
Lembram-se?, pergunta-nos agora Guel, lembram-se da criança caótica do Almada Negreiros?, pois bem, essa criança sou eu. E continua-nos a contar parte da sua vida, agora em Madrid (Madryd, segundo Guel), onde se diverte a dar conferências sobre os seus desvios perceptivos, aplicados de vez ao verdadeiro entretenimento.

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