sexta-feira, 7 de maio de 2010

A partir da "Cordilheira" de Daniel Galera




Fiquei a dever um poema a Daniel Galera
que me deu a melhor morte em Ushuaia
mesmo tratando-se fleumaticamente do fim do mundo
e haver nele neve e a pronúncia acentuada da neve
a sobreexposição de um suicídio anunciado do ponto mais alto
do fim do mundo, que são os nossos enredos
quando nunca se desenredam
como a neve quando nunca derrete
como a noite quando nunca termina.

Fiquei a dever um copo a Holsen,
o amante excêntrico ao ponto de se deixar
possuir pela sua própria era vazia
porque achou em Anita um pretexto,
o mesmo pretexto que Anita achou nele,
os dois muito mal achados aliás,
muito convenientemente mal achados, diria mesmo,
um pelo outro, os dois por nenhum de si.

Fiquei de pagar um café a Danilo,
quando voltasse de viagem também.
Eu estava com ele em São Paulo
e até certo ponto a sofrer Buenos Aires
subentendido entre a sombra venenosa do whisky
e as falaciosas arquitecturas da espera.
Mas depois, talvez porque a língua espanhola
é da minha melhor família famélica
deixei de o acompanhar tantas vezes
e acabei por comprar um bilhete só de ida
para a Argentina que Anita pintava
entre o tango e a angústia de ser cúmplice
sem querer.


Afinal, da nitidez do seu instinto
malévolo e materno
instruiu a morte de nós os três
com flores com fama de percevejos
e um romance à prova da sua vida.

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