terça-feira, 25 de maio de 2010

O pior está para vir




Ajuda a garantir a descontinuidade da espécie.
Usa a paixão em todos os pontos finais
e lava sempre a tuas vírgulas com água e filosofia.
Veste-te ocasionalmente de príncipe.
Pelo menos duas a três vezes por semana
diz a Camila que a amas com frequência
e sentido funesto.
Não uses o W.C. destinado ao pensamento
a não ser que tenha mesmo de ser
e não haja gente viva num raio de uma vida
e 300 milhas para oeste.
Se te apetecer algo para comer
esquece a vizinha da frente
até porque essa já tem um marido
a pilhas e sete gatos para dar de comer
e o vírus da moda e as mucosas tristes.
Volta-te antes para Pessoa ou Baudelaire
dá uma volta por Benedetti, visita Borges
na cegueira de uma biblioteca antiquíssima,
os clássicos fazem-te calar
e tornam a fome mais subjectiva,
comestível até,
como uma lepra lenta e autotélica.
E depois reaparece. Todos desejam alguém
que surja das cinzas.
Mas não prepares uma ressurreição qualquer,
dessas que se compram na iconografia do previsível,
aberta vinte e quatro horas por dia,
entre o espancamento e o cúmulo da reacção.
Faz a vontade do pai e ao país: foge deles.
Mata-os a cada microsegundo com mais decepção,
dedos, dardos e gasolina
mas nunca o bastante
para que eles não se possam mexer,
pelo menos um pouco, da influência para cima.
E deita-te com a literatura toda aos teus pés,
porque entre centro e ausência
o pior está para vir.

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