terça-feira, 21 de setembro de 2010
A síndrome de Setembro
Setembro não destoa dos uniformes brancos das empregadas que em breve eu vou matar. Mas elas têm o cuidado máximo de o repetir pelo corpo todo, Setembro pelo corpo todo, de alto a baixo, como enfermeiras amestradas e espíritos tácticos do lugar, para que eu nunca esqueça que o sol já brilhou mais forte noutras galáxias e que as memórias são fungos com tiques de cogumelos nucleares, e que os sonhos podem ser fósseis de derrotas, máscaras mortuárias de algum instante incapaz de voltar
a ter ênfase na constelação dos enganos.
Setembro é o filho primogénito da incompatibilidade com o fim do Verão. Um ligeiro atraso mental ilumina o final das tardes de Setembro. As folhas que caem, secas, cantam cantigas com menos um cromossoma na esperança. É como que Setembro tivesse nascido com a ousadia do híbrido ou do mutante nas mãos, mas ao mesmo tempo não soubesse como a usar e caísse instantaneamente em desuso pela hábil anemia do tempo, nas mãos da falta de coragem
e talvez até de coração.
As luzes do palácio estão agora desmaiadas.
Costumo deitar-me muito mais cedo em Setembro. Não faço por mal.
A cama favorece o império frágil de um naufrágio,
a noite sedada pode assemelhar-se repentinamente
ao útero de uma segunda e mais desavergonhada mãe,
com a sua neblina vesga e o seu romance adaptado ao grande ecrã.
Já na cama, peço às minhas empregadas que me contem uma história passada inteiramente no Verão. E elas contam.
À medida que a história avança, os uniformes brancos desaparecem,
como a breve semi-vida de um ansiolítico banal.
Todas elas têm tatuado a milésima segunda história
de Xerazade.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Que grande inspiração André. Não vou comentar mais pois seria demasiado longo. Parabéns. Um beijo
ResponderEliminar