domingo, 9 de maio de 2010

Sobre o Transplante da Humanidade




Aos poucos, as técnicas de transplante
irão ocupar uma área maior
do que sensatamente lhes corresponde.

Depressa, a identidade ganhará músculos
gigantes na estratégia
que a partir de agora servirá para a definir
para sempre pior.

Os tempos mudam as vontades
e as vontades mudam o dobro.
O mercado, sempre sedento
por novos rostos e corpos belos
e redutores, fará de tudo para comprar
a melhor equipa de cirurgiões, psiquiatras,
patentes, máquinas e computadores,
salas de espera com piscina e anestésicos
com sabor a autonomia relativa, circo negro
e peppermint.

Aos poucos, haverá clientes do mundo inteiro à espera
que lhe transplantem o corpo todo, milímetro a milímetro,
depois um pouco mais.

O mercado exagerará nos preços e no mistério
ao início, mas rapidamente dará sinais de pornografia,
com aliás sempre acontece,
quando um produto é procurado melhor
com uma pistola na mão do que com duas a voar.

Os olhos azuis, por exemplo,
sairão de moda com a brevidade
de um herbívoro adormecido,
a menos de três metros de um leão
extensível a todas as heterodoxias
com que a sua fome é educada
desde pequena.

As acções vão disparar
à medida que as necessidades
de transplante atinjam o despropósito
e as linhas travessas com que se cose a compulsão
suportem o último comboio com destino ao disparate
(que nunca será transplantado com êxito
por uma nova ponderação
porque as ponderações serão sempre rejeitadas
pelo senso comum
e pela falta de imunosupressores
e compressas ontológicas
nas farmácias.)

O mercado sairá de cena também a qualquer momento,
como um ditador que se escondesse num suicídio temporário
e, sob pseudónimo, publicasse ainda um livro
sobre o transplante da humanidade.

2 comentários:

  1. Quando a morte espreita todos somos ateus, todos lutamos contra a morte daquilo que nos sustenta, nem que seja uma ideia errada da ideia que os outros fazem de nós.

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  2. Obrigado pela visita e pela força do comentário. Volta sempre, Margarida!

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